As eleições de domingo deixaram claro que Bernardo Arevalo será o próximo Presidente da Guatemala. No entanto, entre os 2,4 milhões de pessoas que votaram nele – 58,30% do eleitorado – está a germinar um receio comum: que o seu partido, o Movimento Sementeseja ilegalizado.
“O Ministério Público pode persegui-los a qualquer momento a partir de hoje”, diz o jornalista numa entrevista ao EL ESPAÑOL. Juan Diego Godoy. A carreira de Godoy, de 27 anos, está intimamente ligada à história do seu país. Em junho passado, ficou sem emprego depois de o governo de Alejandro Giammattei vai fechar El Periódicoonde se tinha notabilizado como repórter político, pelas suas denúncias de corrupção.
Para Godoy, chegar a este templo do jornalismo centro-americano há dois anos “foi uma honra”. Entrou a convite de José Rubén Zamoradiretor do jornal. Mas a deriva autoritária de Giammattei acabou com o jornal e com a liberdade do seu diretor, que está a cumprir uma pena de prisão por ter revelado inúmeras esquemas de corrupção desde que o fundou em 1995. Coincidentemente, o ano em que o próprio Godoy nasceu.
Após o encerramento do El PeriódicoJuan Diego estava à beira de partir – como tantos outros colegas seus: o exílio na Guatemala cresceu exponencialmente. Felizmente, não era “um dos perseguidos”.e conseguiu manter-se no seu país. Atualmente, faz biscates como analista político, colabora com meios de comunicação estrangeiros e publica o seu próprio boletim informativo. Não lhe faltam histórias para contar.
É justo celebrar os resultados de domingo como uma vitória da democracia?
Sim, pelo menos nas urnas. Mas temos de estar vigilantes. Os Ministério Público (o Ministério Público) está à espreita e já está a preparar a forma de prejudicar as eleições. Há alguns meses que o fazem, alegando irregularidades nas assinaturas dos membros do Movimento Semente, que foi o surpreendente segundo classificado na primeira volta das eleições.
(Ditadura na Guatemala? A “Justiça” de Giammattei fecha um jornal e veta três candidatos às eleições)
É evidente que não foi este o verdadeiro motivo da perseguição a Semilla. Se assim fosse, as outras 20 candidaturas também poderiam ter sido suspensas. A justiça de Giammattei está a perseguir o partido de Bernardo Arévalo porque ele expulsou os partidos que eram leais ao governo. Penso que não vão conseguir. Temos tido muito apoio da comunidade internacional.
Após a vitória inesperada de Semilla na primeira volta, o Ministério Público abriu um inquérito para suspender o partido. Porque é que foi suspenso?
Porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (um aparelho relativamente livre, certamente mais do que o Ministério Público) emitiu uma ordem para que as eleições prosseguissem com os candidatos existentes. O Ministério Público, cujos poderes limitados o obrigavam a acatar a decisão, tentou a sua sorte considerando a alegada falsificação de assinaturas como um crime contra a Constituição. Foi assim possível redirecionar a questão para o Tribunal Constitucional.
O tribunal decidiu que o o processo eleitoral continuaria em vigor até 20 de agosto (dia das eleições). Mas, a partir desta segunda-feira, não há qualquer providência cautelar do Tribunal: o Ministério Público poderá voltar a acusar o Movimento Semente e reabrir o processo de há uns meses atrás. A dada altura, algum tribunal cederá e permitirá que o Ministério Público retome as investigações.
O que é que podemos esperar do sistema judicial guatemalteco nos próximos dias?
Uma vez que a decisão do Tribunal expirou, prevemos uma batalha feroz entre o Ministério Público e o partido. Se a justiça conseguir anular a Semilla, os eleitos pelo partido tornar-se-ão presidente, vice-presidente e presidente do partido. deputados independentes. Em rigor, portanto, não seria um grande problema. A menos que se instale uma ditadura, Bernardo Arévalo será o presidente da Guatemala.
(Seed Movement: a social-democracia entra de surpresa na corrida presidencial da Guatemala)
Penso que o Ministério Público poderá anular o partido. A maquinaria contra o agrupamento vencedor é muito forte e é apoiada pelo segundo e terceiro partidos mais votados –Sandra Torres (UNE) e Manuel Conde (Vamos lá). Arévalo ganhou, sim, mas os apoiantes do atual governo manterão a sua influência.
Durante os dois anos em que escreveu sobre política para El PeriódicoNotou uma deterioração da liberdade de expressão?
No primeiro ano e meio, quase nada. El Periódico sempre foi um meio de choque que marcou a agenda pública do país. Todas as segundas-feiras fazíamos uma investigação que dava que falar durante toda a semana seguinte. Havia uma secção muito controversa chamada “El Peladero”, em que a informação era divulgada anonimamente. Chegámos a descobrir grandes escândalos através de fontes muito poderosas.
Desde a sua criação, em 1995, que esta situação se mantém. El Periódico criticado à esquerda e à direita os dez governos com os quais conviveu. Éramos inimigos de todos. Muitos tinham proposto o seu encerramento, mas só Giammattei se atreveu. Isso fez com que os dois anos em que lá estive fossem um período turbulento do ponto de vista político. Foi um êxito e uma honra trabalhar em El Periódico até ao fim. Penso que era o meio de comunicação mais importante da América Central. Mas não levou consigo o bom jornalismo. Há dezenas de novas iniciativas que continuam a fazer relatórios de qualidade na Guatemala.
Espero que a vitória de Arévalo traga força a uma profissão que é difícil de viver neste país. Muitos jornalistas e activistas exilados regozijaram-se com os resultados de domingo. Também muitos Operadores da justiça no exílio, antigos procuradores do Ministério Público que trabalharam para derrubar o governo de Otto Pérez. Muitos regozijam-se. De facto, vejamos… Estou muito contente com esta vitória. Tenho de me manter imparcial e crítico, mas sim, estou entusiasmado com esta vitória. Estou esperançado.
Siga os tópicos que lhe interessam